Ilustrado por: Maria José de Castro Bomfim
Historicamente, nossa cor de pele ajuda a definir nossas trajetórias. E não é
sobre “todos terem as mesmas capacidades, habilidades ou terem estudado na mesma
escola”. A estrutura é bem diferente para quem é lido como pessoa não-branca em um
país que tem resquícios diversos de uma era em que pessoas foram traficadas do
continente africano para o Brasil. A essas pessoas e seus descendentes, séculos depois,
foram negados muitos direitos. A elas, foram concedidas as mais dolorosas violências
físicas; e, hoje, não mais físicas, mas continuam a doer essas violências.
Eu sou fruto dessa estrutura que há séculos oprime pessoas parecidas
fenotipicamente como eu. Prazer, Breno Cruz - de Viçosa, Minas Gerais; pós-doutor em
Comunicação; professor universitário desde os 24 anos de idade (já são 18 anos) e
muita luta para ter me construído profissionalmente e ocupar os espaços que hoje
ocupo. Construir a trajetória profissional que tenho foi um processo de superações
diárias no Ensino Médio, na Graduação e no começo do Mestrado.
Um núcleo familiar estruturado e com afeto faz diferença na vida de qualquer
pessoa. Infelizmente, eu não tive a sorte de nascer em um lar assim. Vi na educação a
única oportunidade de mudar minha trajetória e assim o fiz. Como uma fuga
inconsciente, saí de uma cidade universitária para outra (Lavras) para fazer
Administração na Universidade Federal de Lavras – na época, o melhor curso de Minas
de acordo com as avaliações do MEC. Enquanto colegas de curso ganharam carros e
apartamentos para morarem na cidade, por vezes faltou comida para eu sobreviver.
Foi minha grande amiga Josy e sua mãe Dona Carmem que me acolheram quando eu
mais precisei. Me deram comida, carinho, atenção e o senso de família.
Diversas foram as vezes que peguei carona na estrada para voltar de férias para
casa. Me envolvi em tudo que eu podia na UFLA – usei e abusei do tripé Ensino,
Pesquisa e Extensão. Tive boas notas, atuei na Extensão Universitária, fui bolsista de
iniciação científica e publiquei artigos e resumos em congressos. Saí da graduação com
um artigo em revista acadêmica como primeiro autor e passei em dois mestrados
antes mesmo de colar grau. Foi o resultado de todo esforço que tive; afinal, a gente
colhe o que planta.
Cheguei ao Rio de Janeiro sem conhecer uma pessoa sequer. Mais uma vez, a
falta de comida bateu à minha porta; mas, naquele momento, não havia Josy e Dona
Carmem. Por 4 dias comi pão, mortadela e água. E eu não tinha o que perder – afinal,
não queria voltar para o meu contexto familiar. Estudava com os filhos de juízes,
empreiteiros e empresários cariocas, e eu nem sabia conjugar o verbo “To Be” no
passado; e, eles e elas, fluentes em mais de duas línguas com suas várias viagens
internacionais. Foi um começo muito dolorido no Rio de Janeiro, mas o spoiler é:
venci!
Hoje, quase 20 anos depois, olho para tudo e isso e agradeço a mim mesmo por
ter confiado que a Educação transformaria minha vida. Agradeço também à minha
ingenuidade por não ter permitido entender quão difícil era aquele contexto de vida
nova no Rio de Janeiro. Dentre as muitas amizades que fiz, uma delas é especial e se
mantém até hoje – a Adriana (uma auxiliar de serviços gerais de uma escolinha).
Adriana me acolheu gratuitamente. Viu um menino perdido no Rio de Janeiro e deu
amor, atenção e cuidado sem querer nada em troca.
Aquele adolescente que tinha tudo para dar errado na vida não seguiu o rumo
que os preconceitos lhe indicavam. Ele se fez forte e hoje é vencedor.
Academicamente, tem 12 livros publicados e mais de 180 artigos em congressos e
revistas nacionais e internacionais; foi avaliador da Forbes Under 30 em 2023; de
forma recorrente está na mídia especializada em Gastronomia (curso que atua como
professor desde 2018); é jurado do reality show Vida de Merendeira no canal pago
Sabor e Arte; e, realizou o sonho da sua vida 16 vezes – passar o carnaval em Salvador.
Conhecer cinco continentes e mais de 30 países, ter meu carro próprio e dois
apartamentos próprios no Rio de Janeiro é um contexto que eu nunca imaginei lá no
passado na minha adolescência ou na graduação. A segurança financeira que eu tenho
hoje é fruto da transformação que a educação fez na minha vida e por eu não ter
desistido mesmo quando tudo indicava que eu deveria desistir.
Comer nos melhores restaurantes em função da importância do meu trabalho
como influenciador e como criador do Prêmio Gastronomia Preta, do Festival
Gastronomia Preta e do curso de extensão Pretonomia é uma forma de alimentar
aquele Breno da graduação e do começo do mestrado que teve dificuldade de comer e
mostrar que sim, deu certo.
Eu sempre quis ser o melhor em alguma coisa – sou competitivo. Raras foram
as vezes que eu fui melhor em alguma coisa e recebi destaque por isso na vida pessoal.
Mas de uma coisa eu tenho certeza: eu fui o melhor que eu poderia ser dentro daquilo
que me ofereceram. E você também pode ser o melhor ou a melhor dentro do
contexto que é apresentado a você. Desistir, para alguns de nós, é morrer.
Este relato de experiência não é para professores ou amigos – é para você,
estudante que precisa transformar sua vida e ter acesso a uma vida melhor no futuro.
Será difícil demais por algumas vezes, mas dará certo se você fizer sua parte bem feita.
E, nos momentos difíceis, que você possa achar forças sempre quando pensar em
desistir e lembrar de algo muito importante:
Educação Transforma!
Ilustradora: Flávia Lima dos Santos
Autor: Breno de Paula Andrade Cruz
(Publicado em 19 de junho de 2024)
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