Ilustrado por: Ana Júlia Ferreira Vieira
"Entre Desafios e Conquistas: A História dos 'Irmãos Coragem'"
Com a tenra idade de 12 anos, meu pai deixou nosso lar, nunca mais retornando. Naquele instante, ele abandonou não apenas sua esposa, mas também seus quatro filhos, cujas idades variavam entre 6 e 12 anos. Diante dessa desolação, minha mãe, que jamais havia trabalhado fora de casa, se viu compelida a buscar sustento para nós quatro, uma vez que meu pai não contribuiu de forma alguma.
Recordo-me vividamente de como ela saía de casa por volta das 5 da manhã, apenas para regressar após as 17 horas. Eu, com meus 12 anos, e minha irmã, com 11, conseguimos empregos como diaristas e babás. Enquanto isso, minha irmã mais jovem, de 10 anos, assumia os afazeres domésticos e o cuidado com meu irmão caçula, de apenas 6 anos. Ela zelava pela limpeza da casa, lavava, passava, cozinhava e auxiliava-o nas obrigações escolares, enquanto todos nós frequentamos a escola em meio período.
Lembro-me vividamente de como precisávamos nos revezar para frequentar a escola: dois de nós de manhã e dois à tarde, para compartilhar calçados e alguns materiais escolares. Graças a Deus, não sofremos com a fome, porém, tivemos que renunciar a muitas experiências que deveriam compor a infância. Quase tudo nos era negado.
Nossa mãe sempre nos incentivou a perseguir os estudos; podíamos trabalhar, contudo, deveríamos desempenhar bem na escola. Embora tenha cursado apenas até a quarta série, devido à sua escassa instrução, ela nunca deixou de monitorar nossos estudos.
Aos 18 anos, recebi o doloroso diagnóstico de que minha mãe estava sofrendo de câncer em estágio avançado na glândula parótida, um tipo raro e agressivo de tumor. Em menos de três meses, ela nos deixou, deixando-me encarregado dos meus três irmãos mais novos. Foram tempos de extrema adversidade. E, como se não bastasse, um ano depois, nossa morada foi consumida pelo fogo durante uma tempestade, levando consigo o pouco que possuíamos.
Naquele dia, a comunidade onde vivíamos se mobilizou e nos forneceu os materiais necessários para erguer uma nova moradia e recomeçar do zero. Vale ressaltar que meu pai não prestou qualquer ajuda.
Meu irmão de 12 anos teve que começar a trabalhar para ajudar nas despesas. Ele estudava de manhã, fazia aula de futebol à tarde e trabalhava como garçom em uma lanchonete à noite. Após aproximadamente 2 meses trabalhando lá, a assistente social veio até nossa casa e disse que, por ele ser menor de idade, não poderia mais trabalhar, além do mais, era um local que fornecia bebidas alcoólicas e também pelo horário.
Lembro que ouvi tudo com calma, depois expliquei nossa situação. Coloquei todas as despesas no papel e disse que se eles cobrissem os gastos do meu irmão ele pararia de trabalhar imediatamente, senão ele continuaria a trabalhar. Também fui incisiva em dizer que ninguém o levaria de mim e da nossa casa, eu cuidaria dele e mais ninguém. Não falaram nada e saíram, falaram que voltariam em alguns dias mas não voltaram mais.
Alguns anos depois, nos reconciliamos com nosso pai. Nunca conversamos sobre o passado, acredito que talvez se falássemos sobre o assunto, feridas poderiam ser reabertas e a reconciliação talvez não acontecesse.
Ele tem outra família e mais dois filhos. Em 2022, através de um exame de DNA descobrimos ter mais um irmão, resultado de um ato extraconjugal do meu pai. Marcamos para nos encontrar e conversar. Foi muito emocionante. Ver esse irmão com mais de 30 anos abraçando seu pai e seus irmãos pela primeira vez realmente mexeu com todos nós. Ele é uma pessoa especial e estará para sempre em nossas vidas e corações.
Voltando um pouquinho mais no tempo, meu avô faleceu e minha avó ficou sozinha. Ela estava morrendo aos poucos em sua casa, pois não queria ir morar com a nora, então meu marido e eu decidimos trazê-la para morar conosco. Trabalhar 10 horas por dia e ainda cuidar de um idoso é, sem dúvida, um desafio monumental. Como alguém que viveu essa experiência, posso compartilhar que essa jornada é repleta de exigências físicas, emocionais e psicológicas.
Primeiramente, o cansaço físico é constante. Passar tantas horas no trabalho, lidando com responsabilidades e pressões, já é por si só desgastante. Adicionar a isso a responsabilidade de cuidar de um idoso significa que o tempo para descanso e recuperação se torna escasso. O esforço físico adicional exigido pelo cuidado constante pode levar a uma sensação de exaustão crônica.
Além disso, o aspecto emocional não pode ser subestimado. Cuidar de um idoso muitas vezes envolve lidar com suas necessidades físicas, emocionais e médicas. Ver alguém que você ama enfrentando desafios de saúde e envelhecimento pode ser emocionalmente angustiante e desgastante. A preocupação constante com o bem-estar do idoso pode causar ansiedade e estresse emocional.
Muitas vezes, também há um ônus psicológico associado a essa situação. Sentimentos de culpa podem surgir quando não podemos passar tanto tempo quanto gostaríamos com o idoso devido aos compromissos de trabalho.
Apesar de todas essas dificuldades, é importante encontrar apoio e buscar maneiras de lidar com o estresse. Isso pode envolver a busca de ajuda de familiares, amigos ou profissionais de saúde, bem como a criação de uma rede de apoio para compartilhar responsabilidades de cuidado. Encontrar tempo para cuidar de si mesmo também é crucial, mesmo que seja apenas alguns momentos preciosos para relaxar e recarregar as energias.
Estando então no meu limite, falei com meu pai para que ele cuidasse da sua mãe daqui pra frente pois eu não tinha mais condições psicológicas e emocionais para dar suporte a ela. Ela morou 6 meses com meu pai e faleceu com 92 anos acometida de uma pneumonia.
Para resumir a saga, os quatro irmãos enfrentaram juntos as agruras, choraram juntos, riram juntos e triunfaram juntos, sempre se apoiando mutuamente nos momentos de bonança e adversidade. Minhas duas irmãs e eu alcançamos a conclusão do ensino superior, enquanto meu irmão obteve formação técnica em mecânica, torno e eletrônica.
Todos nós constituímos nossas próprias famílias e temos filhos. Até os dias atuais, permanecemos fortes e unidos. Expressamos gratidão a todos que nos apoiaram nessa jornada de vida, sobretudo a Deus, por nos guiar pelo caminho da retidão e nos dotar de tamanha coragem em meio às tormentas. Verdadeiramente, somos os "irmãos coragem".
Autor(a): Tatiane Aparecida Bulla
(Publicado em junho de 2024)
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