Ilustrado por: Edneide Ramos de Santana
Após uma reunião de recuperação no ano 2000, três companheiros, Francisco Rosalino Marcheti, Ademar Jorge Vanz e Pedro Alcemir Couto (in memorian) se reuniram e começaram a conversar sobre a possibilidade de construir uma clínica de recuperação para ajudar outras pessoas a se recuperarem da doença da dependência química. Não sabiam como fazer e nem por onde começar, mas conheciam muitas famílias que sofriam com a dificuldade de encontrar um lugar para tratar seus familiares.
Como eram três operários, trabalhavam para o sustento de suas famílias e tinham ideias, mas não condições financeiras. Começaram a estudar por onde dariam início e pensaram que, para arrecadar fundos, realizariam rifas e promoções. Achavam que seria muito simples e que muita gente iria colaborar, mas de fácil não teve nada.
O primeiro passo, então, foi fazer um projeto de como seria a estrutura do local para depois buscar por um terreno apropriado. Buscamos ajuda com o prefeito da cidade, que ouviu sobre o projeto, mas não levou muito a sério, afinal, éramos três dependentes químicos querendo ajudar os outros, sendo que o projeto teria que ser executado pelo município.
A demora para nos oferecer um terreno foi se estendendo e não tínhamos uma resposta, até que um dia fomos até a prefeitura novamente dizer para o prefeito que não precisava mais, porque já tínhamos ganhado um lote do município vizinho e era só ir escolher. A resposta veio na hora. “Não vão para lá, eu vou arrumar esse terreno hoje para vocês”, falou o prefeito. E assim foi feito, saímos da prefeitura em direção ao bairro Cidade Alta para conhecer o terreno e iniciar, então, o projeto.
Com uma planta baixa feita por um grande amigo nosso, as ideias foram tomando forma. Primeiro toda a questão de documentação, depois pensar em como buscar o recurso. Lançamos uma ação entre amigos (rifa), achando que tudo ia ser fácil, porque a causa era beneficente. Foi uma das piores experiências que tivemos. O governo estava passando por reformas e a economia brasileira também. O que tínhamos definido como prêmios ocasionou um preço muito alto por número e, portanto, não conseguimos vender nem a metade deles. O dinheiro arrecadado só deu para comprar os prêmios.
Como aprendemos que não podemos desistir dos nossos sonhos, nos preparamos para os próximos anos, até conseguirmos alcançar nosso objetivo. Assim foram mais 5 anos vendendo rifa e fazendo promoções para não parar a construção. Difícil citar aqui todas as dificuldades que passamos, por serem muitas, tanto na construção, quanto na parte burocrática, mas não posso deixar de citar algumas que nos marcaram muito e que muitos amigos conhecem.
Uma delas foi a época em que o pedreiro levantava as paredes durante o dia e à noite usuários de substâncias que iam fazer uso no local as derrubavam, quebravam as portas e as vidraças. Até abaixo-assinado teve no bairro para que a construção não acontecesse. Outra situação que considero a pior de todas é que recebemos uma proposta do governo para financiar e terminar o projeto e começar a funcionar. Mas teríamos que doar tudo o que já tinha para eles e nós iríamos apenas administrar. Como nossa intenção era funcionar o quanto antes, aceitamos a proposta.
Ficamos um ano sem trabalhar, apenas esperando, e nada aconteceu, só soubemos que iriam fazer outro projeto e que nada era mais nosso. Tivemos um gasto enorme para pegar o projeto de volta, gastamos ainda mais do que quando o entregamos. Mas recuperamos tudo e demos continuidade, com bastante dificuldade
No ano de 2010 a obra estava pronta, mas não havia nenhum recurso para colocar em funcionamento. Estruturas prontas, porém sem móveis. Resolvemos buscar um novo sócio para colocar a clínica em funcionamento, então, em janeiro, finalmente começamos a funcionar. Ainda não tínhamos recursos fixos nem convênios, possuíamos uma equipe de 17 funcionários e atendíamos 14 acolhidos. Eram muitas contas para pagar, mas quase nenhuma receita. Aflição, ansiedade e medo, tudo era motivo para desanimar, mas o objetivo era lutar para salvar vidas de pessoas como nós.
Os recursos foram chegando e fomos nos organizando para alcançar nossos objetivos, que era ter o máximo de vagas gratuitas para o tratamento. Hoje temos 60 leitos com 50 vagas financiadas pelo governo estadual, federal e municipal. Mesmo não sendo um valor justo que recebemos, ainda mais nos dias de hoje, através de muito esforço, dedicação, doações e parceiros que conhecem nosso trabalho estamos dando continuidade ao nosso sonho de salvar vidas. Hoje nosso projeto virou realidade e muitos que por aqui passaram se encontram em recuperação até os dias de hoje junto com suas famílias.
O nosso projeto hoje continua salvando vidas, junto com todo o esforço da equipe técnica, o trabalho continua. Seja o próximo a fazer parte dessa família vencedora. Nossas portas estão abertas para todos. Obrigado.
Autor: Francisco Rosalino Marcheti
(Publicado em: Julho de 2023)
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