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Foto do escritorCapitulos De Superação - IFC

Meu mundo azul


Ilustrado por: Acxel Pocera


O relógio biológico havia despertado no meu coração há um tempo e eu alimentava o sonho da maternidade. Fazia três anos que levava a vida de “tentante”, queria engravidar e me tornar mamãe.

Através do procedimento de fertilização in vitro, consegui engravidar, na terceira transferência de embriões, e gerei gêmeos no meu ventre por exatos seis meses e meio. Samuel e Daniel nasceram prematuros, com 29 semanas de gestação. Os nomes escolhidos são bíblicos e com significados relacionados a esse sonho desde antes da concepção dos bebês.

Samuel 1:27 (Por este filho orava eu e o Senhor ouviu minha oração) – Bíblia

Daniel 12:4 (Tu, porém, Daniel, cerra as palavras e sela o livro, até o fim do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará) – Bíblia

Meus gêmeos nasceram dia 22 de novembro de 2021, Samuel às 13h56, pesando 1,200 kg e medindo 38 cm, Daniel às 14h, pesando 1,020 kg e medindo 35 cm. Ao todo foram 74 dias de internação em tempos de pandemia de COVID-19. 61 dias na UTI e 13 na UTI Neonatal.

Ser mãe de uma criança prematura é ser pega de surpresa e sem preparo. É não segurar seu filho nos braços quando nasce e nem ter a participação do papai no nascimento. É olhar pela incubadora e sentir sua cria pela ponta dos dedos esterilizados em álcool gel, é bater papo com ele através do vidro, é ter lágrima escorrendo pelo rosto todo dia por não poder sentir seu cheirinho e beijar seu rostinho, é ser viciada no monitor, observando a respiração por aparelhos e os sensores medindo o que há de vida na sua criança, são os benditos 88% de saturação.

É tirar o leite materno na máquina e ver o alimento entrando pela sonda no seu bebê, torcendo para que a quantidade aumente todo dia, sinal de que a aceitação está sendo boa e que não há resíduos voltando. É ter paranoia com o processo ganha/perde de peso diário. Em um dia ganha 10 gramas e no seguinte perde 15. Isso é um desespero.

É se incomodar com as aspirações e manobras, mas saber que é um mal necessário. É ver picadas e mais picadas para exames. É entrar na UTI ansiosa e aflita com medo do que vai ouvir do pediatra, mesmo que seja a bendita palavrinha “estável” - significa que não evoluiu, mas também não regrediu. E não se esquecer de agradecer o cocô e o xixi de cada dia, um sinal de que não há infecção.

É precisar da rede de apoio do papai, dos familiares e amigos, sem isso é impossível a carne humana aguentar. Porque na hora do desespero mental, é você e Deus. É joelho no chão para pedir milagre.

É ser a Rainha da Impotência por ver o sofrimento e a força dos seus bebês e simplesmente não poder fazer nada. Só confiar em Deus e nas mãos abençoadas dos profissionais que lidam com eles durante plantões e troca de plantões diariamente.

Ser mãe de uma criança prematura é ter medo do vento, da bronquiolite, do inverno das pessoas e do hospital. É entender um monte de doenças que ninguém nem imagina que existe. É contar o tempo de um jeito diferente, idade cronológica e idade corrigida. É sair da UTI com festa e palmas. É deixar por lá amigos eternos e preciosos.

Mas, acima de tudo, ser mãe de prematuro é superação, é ter história para contar.

Toda mãe é um ser guerreiro por natureza. Mas a mãe de prematuro precisa ser guerreira em dobro. E isso nos difere e ao mesmo tempo nos iguala. Lutadoras, perseverantes, resilientes, frágeis a ponto de desabar a qualquer momento, mas com uma força absurda. Uma força que talvez venha de um útero vazio antes do tempo. Assim são as mães dos bebês que nascem antes.

Eu vivi tudo isso duplamente, e passei por gangorras de emoções, porque eu estava lá por duas vidas, cada uma com sua ação, reação, evolução e personalidade. Hoje digo que vencemos a prematuridade e as consequências que podem causar pela imaturidade dos sistemas imunológicos. Ao longo desse tempo tive consciência de que muitas vezes precisei privá-los de exposições e contatos para não correr o risco de alguma transmissão viral que o organismo deles não soubesse enfrentar. Meus filhos são saudáveis, bem desenvolvidos, ativos, crianças alegres e com quase 2 anos de vida.



Autora: Simone Antunes Mathias

(Publicado em: Agosto 2023)

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